Recuemos até finais do Século XIX. O cenário, a pacata cidadezinha de Milford, na Irlanda profunda. O principal protagonista: Robert Garmant McCrum.
O tema: a secreta história da introdução do penalty nas regras do «foot-ball». Embarque, pois, numa máquina do tempo e viaje até ao passado...
Milford é uma pequena e pacata vila da Irlanda do Norte, na província de Armagh. Apesar da natureza imaculada que a rodeia ainda nos nossos dias, poucas pessoas, perto de um milhar, habitam hoje as suas velhas casas de pedra, palacetes de traço italiano e belas moradias vitorianas, todas construídas, em tempos remotos, pelos seus antecessores. Entre eles, nessa distante era de prosperidade, em finais do Séc.XIX, estava a família McCrum, muito respeitada, sobretudo pelo facto do seu patriarca, Robert Garmant McCrum, ser um próspero empresário têxtil, dono da fábrica que suportava toda a vila, e, sobretudo, chefe de polícia, o High Sheriff, de toda a província, muito empenhado a dar a melhor educação aos seus filhos. Nesse sentido, quando chegou a idade adulta, matriculou um deles, William, no reputado Trinity College, Universidade de Dubin. Muito responsável e estudioso, William McCrum distinguiu-se como um dos mais eruditos da sua classe. De regresso a Milford, foi trabalhar para a fábrica da família, a McCrum, Watson e Merver company.
Dentro de si trazia, no entanto, também a paixão por um moderno elitista jogo, o foot-ball, inventado noutra universidade, Cambridge, na Inglaterra. Nesse sentido, passou a jogar no clube da terra, como guarda-redes do Milford Football Club, um dos mais velhos emblemas da Irlanda. Foi por sua iniciativa que, em 1887, passou a disputar-se a Taça dos Clubes do Mid-Ulster. Muito educado, um verdadeiro gentleman, em todas as suas conversas e actuações em campo, revelava-se um modelo de fair-play. Por isso, demonstrava-se cada vez mais preocupado com a infracções ás regras do jogo que se assistia cada vez mais, sobretudo quando alguém se preparava para marcar um golo e era derrubado. Nesses casos, era marcada uma simples falta. Para melhor entendermos a confusão que se podia gerar nessas situações, rezam os registos, que no último minuto dos quarts-de-final da Taça de Inglaterra, em 1889, entre o Stoke City e o Notts County, com o marcador em 1-0, Hendry, jogador do Notts defendeu com a mão, quase sobre a linha de baliza, um remate que ia dar o golo do empate. Como castigo foi marcada uma falta a centimetros da linha de golo. Toda a equipa do Notts se perfilou na baliza, com o guarda-redes, de pé, imóvel, como uma parede, em frente á bola que, claro, quando rematada, foi contra ele e, depois, chutada para longe. Pouco depois era o apito final. O Notts County ganhava a FA Cup. 1-0. Para um cavalheiro do football como Wiliam McCrum tal situação era intolerável.
Nesse sentido, pensou numa nova regra, que junto de outro pensador dos regulamentos, Jack Reid, seu amigo, director-geral da Federação Irlandesa e também seu antigo jogador internacional, propôs, em 1890, ao International Board, fundado pouco tempo antes, em 1886.Em tradução livre, ela dispunha: sempre que se derrubar, agarrar ou deliberadamente jogar a bola com a mão, será marcado um livre directo (até essa data só existiam livres indirectos). Se tal ocorrer a uma distância de 12 metros da baliza será ordenado um penalty. Com esse fim, desenhou-se uma área de demarcação, a chamada zona de penalty (não existiam nesse tempo a grande área dos nossos dias), que se estendia desde a linha de fundo, com a baliza no meio, fazendo um semi circulo com uma distância equidistante de 12 metros da linha de golo. O remate podia ser executado, sem oposição, de qualquer ponto dessa linha e o guarda-redes podia mover-se até aos 6 metros. Só em 1902 a grande área adquiriria o desenho que hoje conhecemos, com a respectiva marca de penalty.
Após uma primeira rejeição, por ter como subjacente a falta de correcção dos futebolistas, algo impensável se praticado pelos gentlemans que o inventaram que nunca dariam um pontapé noutro só por ele ir marcar um golo, a “moção irlandesa”, como ficou conhecida, acabou por ser aprovada e introduzida nas leis oficiais do foot-ball em 2 de Junho de 1891. Durante o ano que mediou entre a sua recusa inicial até á data da aprovação, disputou-se, porém, na época de 1890/91, o primeiro campeonato irlandês da história, no qual participou o Milford Everton. O seu guarda redes, nessa pioneira edição, foi William McCrum. O clube perdeu todos os jogos e terminou em último lugar da classificação, com um gol-average de 10 golos marcados e 62 sofridos. Apesar destas copiosas derrotas, o seu campo de jogos, o The Holm, ficou famoso, sendo propriedade da família McCrum, por nele se ter inventado e marcado, ainda em fase experimental, o primeiro penalty da história do futebol mundial.